Biografia
Irene Mendonça
Aparecida Martins
Irene Lopes
Texto de Ângela Annibale
Setembro de 2012
Segundo o depoimento de Irene Mendonça.

Como aconteceu

1959: O panorama do Brasil era de rock e bossa nova, e era campo fértil para músicas de bom gosto.
Uma nova fase na história da música sertaneja teve início após a Segunda Guerra Mundial, chamada de "Segunda Era da Música Sertaneja", com a incorporação de novos estilos (de duetos com intervalos variados e o estilo mariachi), gêneros (inicialmente a guarânia e a polca paraguaia e, mais tarde, o corrido e a ranchera mexicanos) e instrumentos (como o acordeom e a harpa). A temática foi se tornando gradualmente mais amorosa, conservando, todavia, um caráter autobiográfico. (CARVALHO, Marta de Ulhôa. Musica sertaneja em Uberlândia. Uberlândia: UFU, 1993)
Alguns destaques desta época foram os duos Cascatinha e Inhana, Irmãs Galvão, Irmãs Castro, Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá, o trio Luzinho, Limeira e Zezinha - lançadores da música campeira - e o cantor José Fortuna, adaptador da guarânia no Brasil. (Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira).
Duas moças vindas de Franca-SP, Irene Campos Mendonça, de 20 anos, e Aparecida Martins Batista (mais conhecida como Cida), de 19 anos, eram primas de primeiro grau: o pai da Irene era irmão da mãe da Cida. Ambas trabalhavam como operárias em uma empresa chamada Tecelagem Gasparian, na Rua Siqueira Bueno, 929, bairro do Belenzinho, na capital, onde até hoje (2012) ainda existe uma empresa no ramo de tecidos industriais. Naquele tempo, eram comuns algumas faltas de energia, e, protegidas pela escuridão, as duas cantavam as mais belas modas de viola enquanto esperavam para poder trabalhar. Muitos se perguntavam de quem seriam as vozes misteriosas. Eis que em um belo dia, a energia voltou e um menino que as ouviu acabou dando uma grande ideia à Irene: “Por que vocês não vão à Rádio Nacional e se inscrevem no programa de calouros?”.
Naquele mesmo dia, Irene Mendonça seguiu seu coração e as inscreveu como “Cida e Irene”. O programa se chamava “A Hora do Pato”, famoso na época por revelar grandes nomes, tais como o rei Roberto Carlos, em 1955, no Rio de Janeiro. Não demorou muito para que recebessem um chamado para o próximo domingo! E ainda ganharam um cachê.
Na época, Orlandinho era um sanfoneiro famoso que havia perdido suas duas parceiras. Tendo ouvido a dupla Cida e Irene na Rádio Nacional – hoje Rádio Globo, na Rua das Palmeiras, São Paulo - Orlandinho decidiu ir à busca das donas das vozes. Pegou o endereço das duas na própria rádio e se dirigiu à casa do pai da Cida, que também tocava acordeon, na Rua Dr. Vicente Batista, 68, no bairro Vila Santa Isabel, zona leste de São Paulo. Tempo bom, este, que era possível conseguir endereço de alguém em total boa fé.
A princípio, Cida mostrou sua voz cantando com sua irmã, Mariinha. Orlandinho ficou empolgado e quis saber da sua parceira que havia escutado na rádio. Nenhuma das duas tinha telefone na época, e Irene Mendonça morava na Rua Torrinha, no Tatuapé. Só restava encontrar a amiga e prima no trabalho, no dia seguinte. Então Orlandinho disse que voltaria no outro dia, à tarde.
Cida chegou à tecelagem muito animada e contou à Irene Mendonça o que havia acontecido. Ao sair da fábrica, as duas correram para a casa. Orlandinho já estava lá. Assim que as ouviu cantarem, ele as convidou para formar um trio: ele na sanfona e elas, na voz.
Ainda trabalhando, elas passavam a tarde e a noite inteira ensaiando. No dia seguinte, trabalhavam até as 13h30 e voltavam a ensaiar, delineando os primeiros passos ao que tanto sonharam enquanto operárias de tecelagem. Assim, formavam agora o trio Orlandinho, Geni & Gessi.
Em 14/08/1959, fizeram sua primeira viagem – sem os pais e de ônibus - para Cana do Reino, Estado de Minas Gerais - hoje chamada Carvalhópolis - e cujo prefeito neste ano era João Paula Caproni.
Dia 15 de agosto de 1959. Um sábado. Um circo. Plateia lotada. Vale dizer que o circo, na época, era palco de shows e peças teatrais de grande expressão, pois não era em todo lugar que havia teatros. Encenavam-se peças de sucesso, como por exemplo, “O Ébrio”, de Vicente Celestino.
No domingo, como chovia demais, o dono do cinema local cedeu o espaço para elas fazerem o show. Tinha gente até em pé para ouvi-las cantar. Nestas noites, foram hospedadas na casa do dono do circo. Não ganhavam cachê e nem se perguntavam por que. Na verdade, o sonho de cantar era maior do que qualquer ambição. Elas viviam como bem cantou Milton Nascimento: “Prá cantar nada era longe, tudo tão bom! Até a estrada de terra na boleia de caminhão”.
E o sonho havia se tornado, enfim, realidade!
Neste meio tempo, Orlandinho foi à casa da Irene Mendonça para conhecer seus pais e irmãos, já que naquele tempo, moça de família era muito respeitada. Mas artistas, cantoras e atrizes não eram muito bem vistas pela sociedade. Infelizmente, não foi muito bem recebido.
Fizeram alguns shows por algumas cidades, sempre com o mesmo entusiasmo e o mesmo amor. Para elas, era um tempo mágico, algo que existia como em um sonho. Neste período, Cida e Irene Mendonça já ensaiavam o que veio a ser mais tarde o grande sucesso da dupla, a canção “Não Beba Mais Não”, de Jeca Mineiro e do próprio Orlandinho. Tiraram, então, fotos para a divulgação do disco, e uma delas está na galeria de fotos deste site.
Com a agenda lotada para os finais de semana, chegou o dia de um show da cidade de Jundiaí, SP. Uma prima de ambas, Irene Lopes, juntou-se à elas, inicialmente para assistir o show.
Na volta, Orlandinho teve uma longa conversa com a Irene Mendonça, dizendo que sentiu que sua família não aprovava a participação dela no trio e que preferia que tudo fosse feito dentro dos conformes. Não deu maiores explicações e nem mesmo disse que havia convidado a Irene Lopes para substituí-la. Dispensou a Mendonça e ficou com a Lopes. E esta história, até hoje, não foi passada a limpo. A Cida morreu em 2011 e agora resta a esperança de que um dia eu possa contar o que realmente se passou.
Quem tinha mais lutado pelo início da dupla não podia mais continuar.
A amizade e o amor continuou, ela foi madrinha de um dos filhos da Cida e sempre se encontra com a Irene Lopes e seus filhos. Também assistia às gravações do Viola Minha Viola quando o Duo Ciriema se apresentava, e ia aos bastidores. Não há muitos registros, mas existe uma foto em nossa galeria. Chorou sua decepção por todos esses anos e ainda sonha com o que poderia ter sido sua vida se ela tivesse ido em frente com o caminho para o qual nasceu.
Essa tristeza ficou no peito da Irene Mendonça até hoje, quando resolvi contar a sua história e provar à ela que, mesmo com tanta dor, ela vai brilhar para sempre na galeria das estrelas a partir de agora!
Texto de Ângela Annibale
Setembro de 2012
Com o depoimento de Irene Mendonça.